Privatização dos Correios é ‘péssimo negócio para o Brasil’, avalia Dieese

Segundo economista da entidade, a privatização não se mostra positiva sob nenhuma perspectiva

A Conclusão da mais recente nota do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, o Dieese sobre os Correios é de que a privatização é um péssimo negócio. A entidade analisou o projeto de lei em tramitação no Congresso, comparando tendências mundiais e projetando várias consequências negativas para a população caso a operação vá adiante.

Do ponto de vista operacional, aponta o estudo, os Correios conseguem atender satisfatoriamente todos os 5.570 municípios brasileiros, ainda que tenha ocorrido uma redução na estrutura da empresa ao longo da última década. O alto nível de satisfação com os serviços encontra evidências no baixo número de reclamações nos Procons e em premiações como a ABComm de Inovação Digital, promovida pela Associação Brasileira de Comércio Eletrônico, em que a empresa foi reconhecida como número um na categoria Logística no e-commerce por dois anos consecutivos.

Pesa também o bom nível de lucratividade registrado pelos Correios nos últimos anos, ainda que este não seja o objetivo principal da estatal, tendo registrado baixa apenas durante a crise de 2008, superada pela empresa desde então. Outro aspecto destacado pelo Dieese no estudo é o fato de que a empresa investiu 6,9 bilhões de reais em modernização entre 2006 e 2020 e não depende de repasses governamentais para operar, custeando-se apenas com receitas próprias.

“Olhando então sobre todos os pontos de vista, operacional ou financeiro, a gente não vê razão para privatizar. Ao olharmos os dados não nos restam dúvidas de que seria um péssimo negócio para o Brasil. Afinal os Correios cumprem um papel social com eficiência, prestam o serviço com qualidade e ainda têm lucratividade. Ou seja, não há razão lógica para a operação”, afirma Maria de Fátima Lage Guerra, demógrafa e economista do Dieese.

Para a economista, a explicação para o avanço do projeto é puramente ideológica e busca privilegiar entes privados e não o interesse público do Brasil. “É uma operação de cunho estritamente mercadológico, de oportunidades de negócios que se abrem para render lucros ao setor privado”, analisa.

Esta oportunidade, segundo explica, se dá principalmente na projeção do setor do comércio eletrônico, com projeções de crescimentos exponenciais nos próximos anos.

“O aumento das receitas provenientes do mercado de encomendas postais já é uma realidade e a empresa tem se mostrado bastante competitiva nesse mercado, que nunca esteve sob regime de monopólio no país”, destaca a nota ao alertar para a incoerência do governo ao buscar pela privatização.

Para a economista, há também nesta operação uma inversão de políticas públicas em relação ao restante do mundo.

“É uma visão muito ideológica de que a iniciativa privada é mais eficiente do que a pública, quando isso na prática não se concretiza. Estamos até na contramão das tendências internacionais, quando essa visão liberalizadora teve o seu auge nos anos 1980 e vigorou nos anos 1990 e tivemos várias experiências de privatização ao redor do mundo, mas que ao longo das décadas seguintes deram errado e foram revertidas”, destaca.

A nota produzida pelo Dieese analisa na prática esta tendência observada pela economista e compara o projeto brasileiro com a experiência que tem sido adotada em 24 outros países. São eles: China, Índia, Estados Unidos, Indonésia, Paquistão, Nigéria, Bangladesh, Rússia, México, Rússia, Canadá, Austrália, Argentina, Cazaquistão, Argélia, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Suíça, Áustria, Holanda e Singapura.

Segundo o documento, “o processo de liberalização plena dos mercados de serviços postais não parece ser o padrão mundo afora. No caso dos 24 países selecionados neste exercício de comparação, apenas em oito – na maioria europeus – há liberalização da concorrência em todos os serviços postais, sem a previsão de alguma exclusividade para a operadora dos serviços básicos”.

O levantamento levou em conta quatro aspectos para análise: países mais populosos; maiores territorialmente; países com maiores PIB; países com melhores posições no ranking da União Postal Universal (UPU), iniciativa da ONU, que acompanha os serviços postais ao redor do mundo.

Como revela a nota, em todos os dez países mais populosos “os serviços postais universais são prestados por algum ente público, seja empresa pública, seja empresa de economia mista, seja, ainda, outro órgão governamental de natureza não empresarial”. O mesmo se repete entre as nações com os maiores territórios.

Já entre os que possuem o maior Produto Interno Bruto (PIB), apenas Alemanha e Reino Unido têm empresas privadas operando serviço postal básico. O estudo ressalta, porém, que na Alemanha a empresa privada tem como maior acionista um banco estatal, o KfW.

Por fim, o Dieese compara os países mais bem colocados no ranking da UPU, que mede o nível de desenvolvimento dos serviços postais em 170 nações. Neste caso, o Brasil está classificado como ‘good performer’, em um pelotão com melhor desempenho entre aqueles de nível intermediário. Em sete dos dez países com os melhores serviços postais do mundo, é o setor público que opera diretamente, com destaque para os dois primeiros colocados, Suíça e Áustria, onde o Estado é administrador das empresas.

“O modelo como está sendo desenhado no Brasil, totalmente privatizado, não é hegemônico a nível internacional, embora o governo diga que sim. Estamos fazendo o modelo mais liberal possível, pouco usado ao redor do mundo. Ou seja, estamos indo na contramão e abrindo mão de parte da nossa soberania com este modelo”, resume Lage Guerra.

Alta nas tarifas, aumento da desigualdade, desemprego e redução de renda

As consequências do modelo de privatização dos Correios proposto atualmente pelo governo federal tendem a ser graves, segundo a entidade. Projeções de aumento nas tarifas dos serviços postais, ampliação da desigualdade social, crescimento do desemprego e redução de renda são apenas alguns dos temores elencados pelos economistas.

O principal alerta dos economistas do grupo é o de que a privatização fará com que prevaleça apenas o critério de obtenção de lucro pelas operadoras, resultando ‘no pior cenário possível’ para o setor.

“Isso pode criar o pior dos mundos para todos aqueles que necessitam fazer uso desses serviços no país, como comerciantes, pequenos produtores, moradores de localidades mais distantes, entre outros. De um lado, um aumento da tarifa que excluirá parte da população, provocando uma espécie de apartheid econômico. De outro lado, a interrupção dos serviços nas localidades em que a mera avaliação da relação custo/benefício financeiro se mostrar desfavorável”, conclui o Dieese na nota.

Lage Guerra corrobora com a conclusão e acrescenta ainda o desemprego e a redução de renda como outros dois possíveis prejuízos a curto prazo.

“Temos milhares de empregos diretos que serão cortados, gerando prejuízos aos trabalhadores, suas famílias e a cadeia produtiva em seu entorno. Mas também temos toda uma cadeia de pequenos e médios empresários que dependem dos Correios para realizar suas transações. Sem a capilaridade e o baixo custo operacional da estatal, muitos deles correm grande risco de fechar”, explica. “Isso seria desastroso, significaria mais desemprego e menos dinheiro circulando na ponta da linha”, acrescenta.

Por fim, a privatização também se mostra um péssimo negócio por extinguir um braço governamental fundamental nas políticas de combate à desigualdade. Um bom exemplo disso, segundo o Dieese, foi a atuação dos Correios na pandemia, garantindo agilidade no transporte de boa parte dos testes e vacinas em todo o Brasil. “Sem os Correios, teríamos um desequilíbrio ainda maior no acesso de populações mais afastadas neste período crítico”, finaliza.

Por Getulio Xavier, Carta Capital.

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